terça-feira, 25 de novembro de 2008

Ensaio sobre a Monarquia (ou o brincar com coisas sérias)

O Sr. Presidente da Republica, dias atrás, demarcou-se do problema BPN por não ter quaisquer interesses nesse banco. E fez muito bem! Ontem, recebeu o Dr. Dias Loureiro e disse que acreditava na palavra do Dr. Dias Loureiro. E disse muito bem! O Dr. Constâncio, por sua vez, tinha dito anteontem que acreditava mais na palavra do Dr. Marta, seu vice-governador no Banco de Portugal. E também disse muito bem! Confuso? Nada disso, são questões de proximidade, há que defender os amigos! Eu, por exemplo, aí há uns 50 anos, também devo ter dado uma pisadela num calo ao Arnaldo, que terá dito uma asneira do tamanho da ponte sobre o Tejo e levou, por isso, umas reguadas da Dona Branca. Obviamente, convicta e verdadeiramente, direi até ao fim da vida que não tive nada a ver com o assunto mas ninguém ouvirá da minha boca que não andei com o Arnaldo na Escola Primária! Os amigos são verdadeiros e para as ocasiões!

Não é isto que verdadeiramente me preocupa. O que me preocupa é que notícias destas saem todos os dias e como me dá para comentar, algum dia, para mal dos meus e dos vossos pecados, o nosso blog http://www.blogger.com/ fica maior que a Enciclopédia Luso-Brasileira. Porque tudo isto me mergulha em profundas reflexões. Hoje, por exemplo, estou a lembrar-me da monarquia e por isso venho torrar a vossa paciência com o

ENSAIO SOBRE A MONARQUIA ou, parafraseando Saramago, O Ensaio Sobre a Nossa Cegueira.

Quando falamos de Monarquia, lembramo-nos logo do Rei e/ou do bigode do D. Duarte Pio. Nada de mais redutor! Os Reis e respectivos bigodes eram apenas “Primus inter pares”. O poder, em termos latos, estava nas mãos da nobreza, identificada com títulos como Duque, Conde ou Marquês.

No Século XIX, por necessidade de dinheiro fresco para o sistema funcionar, apareceu e foi profusamente usado, o título de Barão. Eram tantos e, a deduzir pela frase, tão maus, que Almeida Garrett escreveu “Foge cão que te fazem Barão”.

Mais próximo de nós, nos anos 80, o Professor Cavaco Silva afastou, dizem os jornais da época, os Barões do seu partido e os do Bloco Central, até aí vigente, acção corajosa e muito elogiada. E rodeou-se de emergentes e competentes quadros para a gestão do partido e do país, com os resultados que todos conhecem. Descobri hoje que criou, se calhar sem saber, um novo título nobiliárquico, o Baronete.

Os Baronetes do Bloco Central estão em todos os lados, nos Bancos, nas grandes Empresas Públicas, de Obras Públicas, de Serviços Estratégicos, nas grandes Câmaras Municipais, na Informação. Eu não acredito em “brujas, mas que las hay, hay!

Dirão os meus detractores: que falta de rigor histórico-científico! Não temos rei, elegemos um Presidente da República, não há as intrigas da corte no Palácio de Queluz!

Argumentarei que não era expectável que a Monarquia funcionasse, no Século XXI como no Século XVII. Hoje, elegemos, de entre um número reduzido de elemento oriundos e formados dentro do mesmo esquema nobiliárquico, um Presidente da Republica, que, como antes, deve ser impoluto, não ter interesses indefensáveis e merecer credibilidade do povo, o Terceiro Estado. Em suma, ser um “Primus inter pares”; as intrigas da corte são “sopradas” e tratadas até à intoxicação pelas redacções dos órgãos de informação; e o Palácio de Queluz é museu, para recordar a “continuidade” da Pátria. E existem muitos mais Doutores Joões das Regras para defenderem os argumentos jurídicos a favor e o seu contrário. E os Tribunais continuam a não poder fazer justiça nos territórios privativos e isentos dos “senhores”.

Também acho necessário actualizar Almeida Garrett, que diria hoje “Foge Zé Povinho alegrete que te fazem baronete”.

Bem avisados andaram alguns de nós que formaram um grupo gastronómico e um blog Real e Republicano. Andámos à frente do nosso tempo, mesmo que este seja assim pelas piores razões.

A parte final deste meu Ensaio deveria justificar o subtítulo que lhe atribuí, ENSAIO SOBRE A NOSSA CEGUEIRA, mas isso já é convosco.
Francisco Costa Duarte

PS - Isto de escrever a jacto tem os seus inconvenientes. No meu post acima cometi uma injustiça por me ter esquecido de um pormenor: No Século XIX os Barões davam dinheiro ao sistema e por isso recebiam os títulos. No nosso Século XXI, os baronetes são principescamente remunerados pelo sistema por terem os títulos. É uma diferença importante!

Aqui fica a rectificação.

Francisco Costa Duarte

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Noite Televisiva - BPN + Avaliação de Professores

Dois apontamentos sobre a actualidade televisiva/política/social do país, que vi, mal (já tenho que me esforçar para a ver bem dada a minha falta de paciência para abanar a cabeça positivamente à descoberta da pólvora, que os chineses descobriram há séculos sem irem à televisão ganharem o seus minutos de fama):

1º apontamento: entrevista de Judite de Sousa ao governador do Banco de Portugal, Vítor Constâncio. Fico, sempre, muito desconfiado quando se “persegue” o polícia e não o “ladrão”, salvaguardando as devidas distâncias. Querem exemplos? Apito Dourado, Casa Pia, peculato em Câmaras Municipais, “coitados dos assaltantes do BES, malandros dos snipers da PSP” que dispararam, digo eu, obedecendo a ordens e fazendo o que tinham de fazer. Se os assaltantes tivessem morto os refens os nossos entrevistadores diriam exactamente o contrário!
A agressividade da entrevistadora, desculpando-se, sempre, como o Calimero, com a falta de tempo, parece-me fácil de resolver por uma subdirectora da informação da RTP: basta dar menos importância informativa às “estórias treta” dos telejornais, menos tempo às telenovelas cretinas e menos publicidade repetitiva que estamos fartos de receber na caixa do correio e terá todo o tempo para aprofundar os assuntos verdadeiramente importantes. Assim, provoca-me sempre uma sensação, se calhar injusta, de branqueamento das situações: sem prejuízo das suas próprias responsabilidades, era Constâncio que estava no BPN? Não, era Oliveira e Costa. Judite de Sousa poderá estar a ajudar, mesmo sem querer, futuros casos judiciais inconclusivos e desprestigiantes como os acima citados! Corrijam-me se estiver a ver mal!

2º apontamento: o programa Prós e Contras. Confirmou-me o que de essencial penso e que expressei em opinião que vos mandei há pouco tempo e que publiquei no nosso blog http://realrepublicataitiana.blogspot.com/. Mas também me confirmou que, ao contrário de alguns egos mediáticos, há pessoas razoáveis que entendem que uma QUALQUER avaliação de desempenho é absolutamente necessária, mas que, também, ainda estamos na Escola Primária na discussão do assunto. Querem exemplos práticos? Algum dos corporativos envolvidos acreditará que todos os empregados de uma grande empresa chegarão a Director Geral? Ou que todos os militantes do PCP chegarão ao Comité Central? E como chegarão a estes lugares os que chegarem? Escolhidos por cunha, por “baterem mais o pé”, ou por avaliação do mérito, por mais idiota que seja a avaliação? Ou ainda acreditam que podem sentar-se à espera que o tempo passe, para chegarem todos, os prováveis e os absolutamente improváveis ao topo da carreira? Ou, os que estão do lado contrário, ainda acreditam que, no Século XXI, é possível impor por decreto, regras não naturais, na Física e na Sociologia? Não precisam de me responder, esperem pelas consequências sobre as suas próprias cabeças! Infelizmente já depois de prejudicarem terceiros (alunos, futuro, etc). Corrijam-me se estiver a ver mal!

Francisco Costa Duarte
BI 1078780
Av. Carolina Michaelis, 33 – 4º A
2795-053 Linda-a-Velha

sábado, 22 de novembro de 2008

A propósito da Avaliação dos Professores

Aqui fica a minha opinião, que vale o que vale.

Quando eu era um jovem estudante, a classe dos professores era conceituada e respeitada, bem mais considerada e prestigiada pela Sociedade Civil do que pelos poderes políticos de então, que consideravam que a educação da população tinha efeitos perversos, porque o conhecimento prejudicaria a “boa índole” do povo português. Claro que, como excepção que confirma a regra, esta não se aplicava aos filhos das elites políticas. A classe dos professores, muito mais letrada que o grosso da população analfabeta, era o “tronco” estruturador da sociedade do futuro, que passava o conhecimento, muitas vezes contra ventos e marés e daí o respeito e o prestígio que angariavam junto da população. Mesmo havendo, como hoje e em todas as profissões, os bons e os menos bons professores.

Eram, obviamente, tempos diferentes. A segurança social, o direito à saúde, o emprego seguro, só existiam no funcionalismo público, nalgumas, poucas, grandes empresas (grupo Cuf, bancos, etc.). A esmagadora maioria da população (rurais, empregados indiferenciados de pequenas empresas, marçanos, pedreiros, etc) só tinham direito a morreram na valeta, com alguma ajuda “caridosa” da Igreja e das elites desejosas de salvarem, uma vez por ano, a sua alma. Era o tempo em que um dirigente sindical não era convidado para os seus minutos de fama na Televisão mas “convidado” a passar umas “férias” em Caxias e em que nas manifestações havia mais polícias, com o cassetete pronto, que manifestantes. Os pais da minha geração procuravam, de espinha dobrada, as “cunhas” que permitissem aos filhos uma melhor vida e o acesso àquelas carreiras e aconselhavam os descendentes a não fazerem “asneiras” e a não terem opinião própria! O mérito não interessava, interessava a “cunha”, o estar “encaminhado”, o deixar o tempo passar, que a carreira fluía. A única avaliação era política: se não fizeres ondas, tudo está bem, se tens opinião diferente do poder, estás lixado. Era o tempo do “Deus, Pátria, Família”, em que Deus não tinha banco, a Pátria nada dava e pedia muito e a Família dava o que podia e podia pouco.

Fomos, pois, todos formados na mesma cartilha: mérito avaliado para quê? O que conta é o teu conformismo e a tua “cunha” (não sejas ingrato e não a deixes ficar mal, vê o que a “cunha” fez por ti!).

O 25 de Abril veio alterar, felizmente, tudo isto. Trouxe-nos, nos primeiros anos, o entusiasmo, a esperança, o sonho, mas também o folclore, a demagogia, a falência. E no caso da Educação, o acesso generalizado da população ao conhecimento e formação escolar. Com as consequências inevitáveis do crescimento, que dá dores: o maior número de alunos e professores, por uma daquelas incontornáveis leis universais não corrigíveis por decreto ou por manifestações, significa menor qualidade e motivação de alunos e professores. Trouxe-nos, ainda, os corporativismos de classe, antes mera figura de retórica porque sempre controlados pelo poder, e, como reacção ao Estado que nada dava, o Estado que tem de dar tudo, incluindo o “substituir-me” no papel educativo de pai ou mãe (o professor que o faça, que é pago para isso e se não o fizer – passar o meu filho de ano mesmo que nada tenha aprendido - vou à Escola e parto-lhe a cara!).

E que papel de “pai” fez este Estado a partir daqui? O longo governo de Cavaco Silva deu-nos a “ditadura” do jovem (não há exames nem chumbos, os professores e as Escolas não têm autoridade, os processos disciplinares não têm qualquer efeito, etc.); o 1º ministro Guterres fugiu do pântano; o 1º ministro Barroso fugiu para o Estrangeiro; o 1º ministro Santana anda por aí; o 1º ministro Sócrates é o pai presente mas que não ouve os “filhos”, arrogante e sempre de dedo esticado. Temos, todos, razões para nos sentirmos órfãos e abandonados!

Neste cenário, onde fica o mérito? Dos políticos, dos professores, dos alunos, dos pais? Como se avalia e se distingue?

Em post anterior, escrevi que a carta da minha amiga Lena Alexandre era sentida, honesta e que traduzia muita mágoa e mantenho a opinião. Conheço há tantos anos a Lena que só posso compreender! Porque toca no cerne da questão actual e mostra a frustração que tudo isto motiva. Porque que sei que não é, nem foi, preguiçosa, tal como muitos outros bons professores, ao contrário do que a Sra. Ministra parece insinuar.

No entanto, digo eu, não basta a avaliação dos alunos e dos pares se não tiver consequências. Os alunos, que eu também fui, sempre avaliaram e continuam a avaliar os professores, num esquema simples e eficiente: os professores que nos marcaram para a vida e de que, muitos anos depois, nos lembramos dos nomes; os que fizeram bem o seu trabalho e mesmo se não nos lembrarmos dos nomes sentimos o seu bom trabalho nos níveis superiores do ensino; os que não tinham jeito para aquilo mas que, “ehe, ehe”, eram uns gajos porreiros que não chateavam; e os que eram tão maus que só nos lembramos das alcunhas (no meu caso, “a sopinha de massinha”, a “Chica Pardaloca”, o “Coças”). O problema é que todos eles, os maus e os bons, os que faltavam sem razão e os que davam ao alunos tempo do seu tempo, os que se dedicavam à sua missão e os que achavam que é um mero emprego, progrediram na carreira na mesma maneira. Não é justo, nem racional, nem produtivo, nem posso concordar. Em nome dos bons professores que conheço e conheci.

Também não sei bem o que significam “as razões economicistas”, que é um slogan muito utilizado. Não gosto da expressão porque não há recursos inesgotáveis, nem mesmo o petróleo. É por razões “economicistas” que todo o povo português não tem os seus filhos no St. Julian School, que está na moda e nos rankings e estava o assunto arrumado! É por razões “economicistas" que, muitos de nós, não podem ter uma vida digna!

Chegado aqui, à actual guerra da avaliação dos professores, podem questionar-me: estou de acordo com a política da Sra. Ministra? Decididamente não! Não gosto de autoritarismos, não gosto do se meter todos os gatos no mesmo saco, de o fazer de modo burocrático e cretino e acho que é o cúmulo da incompetência, raro e difícil, conseguir ter toda a gente contra, os maus, os suficientes e os bons. A Sra. Ministra, na Medicina, teria um diagnóstico, mesmo assim condescendente: autismo. Já perdeu a guerra e por culpa própria.

Então, estupidamente como no futebol, se não sou do Benfica sou do FCPorto. Também não. Não me lembro de 120 mil professores (quantos são ou eram sindicalizados antes?) na rua quando lhes retiraram a autoridade nas aulas, quando as Escolas foram obrigadas a abdicarem de medidas disciplinares básicas em favor da burocracia idiota de uma qualquer DREL, quando o Ministério lhes impôs programas idiotas, quando o Ministro David Justino se esqueceu da Filosofia, quando se acabaram exames de avaliação dos alunos. Vejo, no entanto, 120 mil professores na rua quando se trata da sua própria avaliação, sem apresentarem, como alternativa, a sua ideia de destrinça dos bons dos maus professores.

Os professores, portanto, também já perderam a guerra, mesmo que ganhem a batalha, porque perderam a oportunidade de restaurar o seu prestígio colectivo e de melhorar a sua credibilidade. Em todos os fóruns que oiço, a população está contra a posição dos professores e dos seus sindicatos, mesmo que isto não seja completamente justo. Mas em política o que parece é, dizia o velho Salazar, que espero que continue longe, apesar de ouvir de responsável partidário do segundo partido mais votado em Portugal, antiga ministra da Educação, que com 6 meses de ditadura tudo se melhorava!

Já agora e para terminar, um apontamento pessoal. Sindicalizei-me aos 17 anos, pela mão de um notável sindicalista, Joaquim Paiva e Silva, no tempo em que era difícil ser sindicalista. Mas hoje não gostaria, e com que mágoa o digo, que os meus filhos e netos tivessem como professor o sindicalista Mário Nogueira que é o líder aceite pelos professores. Porque: não dá aulas há muitos anos; não propõe nada que melhore o futuro dos educandos e do sistema em que estes se têm de mover; não me parece defender princípios pedagógicos e formativos mas conjunturas corporativas, efémeras e, em muitos casos, idiotas; defende os que têm emprego mesmo que o não mereçam e não defende o emprego dos que não o têm, mesmo que o mereçam. Em suma, defende melhor o corporativismo atávico português, que já deveria estar morto e enterrado, que os corporativistas teóricos do Estado Novo fascista. E não é esta ideologia que, por conhecimento próprio, desejo para os meus descendentes.

Francisco Costa Duarte
BI 1078780
Av. Carolina Michaelis, 33 - 4º A
2795-053 Linda-a-Velha

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Carta Aberta à Sra. Ministra da Educação

Acho que a Carta Aberta à Ministra da Educação abaixo, da nossa amiga Lena Alexandre, merece divulgação e, por isso vo-la envio e a vou acrescentar ao nosso blog http://realrepublicataitiana.blogspot.com/

A presente carta da Lena representa, no meu entendimento, uma posição sentida, honesta, com muita mágoa e fora de eventuais interesses corporativos, mas comum a muitos bons profissionais da Educação, que se sentem injustamente atropelados e humilhados pela actual política e gestão da Educação. É uma opinião livre, voluntária e não interesseira, interessada e cívica, logo muito mais credível que o “lixo” que se sente à volta da questão e que, por isso, só posso apoiar e divulgar.

Por mim vou procurar dar-vos a minha opinião em “post” separado.

Francisco Costa Duarte
BI 1078780
Av. Carolina Michaelis, 33 - 4º A
2795-053 Linda-a-Velha


Carta Aberta à Ministra da Educação

Srª Ministra.
Como cidadã dum País de Direito e Democrático, dirijo-me a si com todo o respeito que um ser humano me merece.
Tal não o fez V.Exª no que me diz respeito. E passo a explicar.
Fui (e sou no coração…) professora no ensino público durante 36 anos. Iniciei o meu percurso profissional em 1968 e sabia que a continuação do meu trabalho dependia da avaliação que a escola – através do seu director – me daria, resultado do meu trabalho dentro e fora da sala de aula. Nunca precisei de fichas, grelhas, de perder tempo a mostrar que merecia continuar, pois isso era inerente ao meu dia-a-dia. Tinha, pelo contrário, o tempo todo para o trabalho de preparação das aulas, para poder dialogar com os alunos, acompanhá-los nas visitas de estudo (que valiam tanto e eram factor de enriquecimento, sobretudo para os mais desfavorecidos). Tinha a sorte de pertencer a um grupo profissional que era visto com respeito, consideração. Participei em várias mudanças que sempre abracei com entusiasmo e interesse. Estudei, adaptei-me a "modas" pedagógicas sempre com esperança e com alegria por me saber a participar numa melhoria do ensino e na sua democratização. Sofri também com os sucessos administrativos concretizados nas passagens administrativas, com o enfraquecimento da exigência, com o peso do trabalho burocrático. Assisti à passagem de vários ministros com as suas orientações; alguns, diga-se em abono da verdade, nem nos apercebemos que lá estavam. Fui do grupo que foi submetido à prova do currículo, o que considerei uma traição, pois trabalhei 25 anos sem saber que teria ao fim desse tempo de ser submetida a semelhante prova. Mas, devo dizer que encarei sempre tudo isso como uma "aprendizagem". Participei nas mudanças de currículos programáticos. Fiz cursos de formação com gosto pois não iriam contar para "créditos", mas sim para a minha formação, para a minha contínua aprendizagem. Fui co-autora de obras didácticas no âmbito da disciplina de Língua Portuguesa, fui formadora.
Quando me aposentei procurei dar continuidade a todo o meu esforço e às aprendizagens que o meu percurso profissional me proporcionaram. Sou, actualmente voluntária no Estabelecimento Prisional do Linhó, onde apoio e dou formação no âmbito das Novas Oportunidades, concretamente no RVCC, aos reclusos, e também apoio na Língua Portuguesa. Tal como eu, houve muitos e muitos professores que sempre trabalharam para dignificar a profissão.
Como vê, Senhora Ministra, a maioria dos professores, ao contrário do que faz entender à opinião pública, até gostavam do que faziam. Amavam e amam a sua profissão. A senhora conseguiu, ao pretender reformar o ensino (que até precisa de estar sempre a actualizar-se, ninguém o nega), numa óptica economicista, esquecer-se de usar do "reforço positivo" para com os professores, agentes tão importantes como os alunos no processo ensino-aprendizagem. Aqui volto ao início da minha carta. Senti-me mal tratada por Vossa Excelência, julgada na praça pública como preguiçosa, mal preparada, quase uma pária da sociedade, pois é assim que muitos dos portugueses acham que os professores são: "não querem ser avaliados", são as suas palavras, Srª ministra, esquecendo-se que a cada 45 minutos todos os professores são avaliados pelos alunos, pelos seus pares, por todos os trabalhadores duma escola.
Peço-lhe, pois, que reponha a verdade e não mais me chame "preguiçosa". Use de reforço positivo, simplifique a avaliação e dignifique os professores.

Maria Helena de Sá Dias Alexandre

(Professora Aposentada)

sábado, 15 de novembro de 2008

E se Obama fosse Português?

Hoje a nossa vivência, queiramos ou não, é global. Do mesmo modo que compramos maçãs do Chile ou jeans "made in China", alegre e convictamente, mesmo que más ou que gastem desnecessariamente o CO2 de todos nós, cidadãos do Mundo, não podemos alegar desconhecimento ou não conivência na fome na África ou nos baixos salários e nulos direitos da Ásia, face ao nosso ocidental consumismo idiota, ao nosso comodismo burguês e, no caso português, ao nosso novo-riquismo pobretanas, baseado no crédito e não no mérito, que sustenta "elites" gananciosas e incompetentes, culturalmente pobres mas estupidamente ricas, relapsas na solidariedade social e na sua contribuição para a sociedade, a que muito pouco acrescentam.

Sabem que eu não sou adepto de uma certa América, imperialista, inculta e fanática de "valores" com que me não identifico, não quero, nem desejo. Mas sei que nos "States" há outras realidades e virtudes. Se me permitissem votar nas eleições americanas (e eu acho que deveríamos ter esse direito só pelo facto de o Presidente da USA ter o poder de condicionar significamente a vida dos não americanos), eu também teria votada Obama.

É por tudo isto que vos envio este texto do escritor moçambicano Mia Couto. Ele refere-se à África e eu só posso concordar! Mas permito-me acrescentar que em Portugal não é muito diferente, é só mais sofisticado! Na instrução, formação, liberdade, nos rendimentos, na sobrevivência, estamos, obviamente, melhor que na martirizada África! Mas, numa escala diferente, o fosso entre ricos e pobres é, também, enorme, as "elites" são igualmente incompetentes, não têm, igualmente, mérito senão o da força, são, igualmente, desonestas e/ou corruptas material e/ou moralmente. Podem dizer-me que não estão há tanto tempo no poder como as "elites" africanas mencionadas por Mia Couto. Não estarão? Já viram quem está envolvido no caso BNP? Já viram há quanto tempo somos doutrinados por alguns "bons" pensadores políticos e económicos da nossa praça? Já viram quem comanda as grandes empresas e lobbies que dominam "os interesses" da nossa realidade diária?

Por tudo isto é que eu, como Mia Couto acha para África, também acho que Obama não seria eleito em Portugal: porque teria forte oposição por ser mestiço, por não agradar aos corporativismos com emprego fixo mas incompetentes, por não ser do F.C.Porto ou do Benfica, por ter contra os lobbies económicos e bancários, porque poderia mexer nos privilégios de políticos instalados há muito, porque teria contra si os Bispos por não ser católico-apostólico-romano e ser apoiado pelos homossexuais, porque combateria os esquemas tipo Madeira, etc.

Não sei se concordam mas para mim a maior diferença entre a África, pobre e atrasada, e o Portugal, presumivelmente desenvolvido, é que os africanos andam quase nus e nós andamos de camisa e gravata. Será daqui que vêm os crimes de colarinho branco?

Francisco Costa Duarte



E se Obama fosse africano?

Por Mia Couto

Os africanos rejubilaram com a vitória de Obama. Eu fui um deles. Depois de uma noite em claro, na irrealidade da penumbra da madrugada, as lágrimas corriam-me quando ele pronunciou o discurso de vencedor. Nesse momento, eu era também um vencedor. A mesma felicidade me atravessara quando Nelson Mandela foi libertado e o novo estadista sul-africano consolidava um caminho de dignificação de África. Na noite de 5 de Novembro, o novo presidente norte-americano não era apenas um homem que falava. Era a sufocada voz da esperança que se reerguia, liberta, dentro de nós. Meu coração tinha votado, mesmo sem permissão: habituado a pedir pouco, eu festejava uma vitória sem dimensões. Ao sair à rua, a minha cidade se havia deslocado para Chicago, negros e brancos respirando comungando de uma mesma surpresa feliz. Porque a vitória de Obama não foi a de uma raça sobre outra: sem a participação massiva dos americanos de todas as raças (incluindo a da maioria branca) os Estados Unidos da América não nos entregariam motivo para festejarmos. Nos dias seguintes, fui colhendo as reacções eufóricas dos mais diversos recantos do nosso continente. Pessoas anónimas, cidadãos comuns querem testemunhar a sua felicidade. Ao mesmo tempo fui tomando nota, com algumas reservas, das mensagens solidárias de dirigentes africanos. Quase todos chamavam Obama de "nosso irmão". E pensei: estarão todos esses dirigentes sendo sinceros? Será Barack Obama familiar de tanta gente politicamente tão diversa? Tenho dúvidas. Na pressa de ver preconceitos somente nos outros, não somos capazes de ver os nossos próprios racismos e xenofobias. Na pressa de condenar o Ocidente, esquecemo-nos de aceitar as lições que nos chegam desse outro lado do mundo. Foi então que me chegou às mãos um texto de um escritor camaronês, Patrice Nganang, intitulado: "E se Obama fosse camaronês?". As questões que o meu colega dos Camarões levantava sugeriram-me perguntas diversas, formuladas agora em redor da seguinte hipótese: e se Obama fosse africano e concorresse à presidência num país africano? São estas perguntas que gostaria de explorar neste texto. E se Obama fosse africano e candidato a uma presidência africana? 1. Se Obama fosse africano, um seu concorrente (um qualquer George Bush das Áfricas) inventaria mudanças na Constituição para prolongar o seu mandato para além do previsto. E o nosso Obama teria que esperar mais uns anos para voltar a candidatar-se. A espera poderia ser longa, se tomarmos em conta a permanência de um mesmo presidente no poder em África. Uns 41 anos no Gabão, 39 na Líbia, 28 no Zimbabwe, 28 na Guiné Equatorial, 28 em Angola, 27 no Egipto, 26 nos Camarões. E por aí fora, perfazendo uma quinzena de presidentes que governam há mais de 20 anos consecutivos no continente. Mugabe terá 90 anos quando terminar o mandato para o qual se impôs acima do veredicto popular. 2. Se Obama fosse africano, o mais provável era que, sendo um candidato do partido da oposição, não teria espaço para fazer campanha. Far-Ihe-iam como, por exemplo, no Zimbabwe ou nos Camarões: seria agredido fisicamente, seria preso consecutivamente, ser-Ihe-ia retirado o passaporte. Os Bushs de África não toleram opositores, não toleram a democracia. 3. Se Obama fosse africano, não seria sequer elegível em grande parte dos países porque as elites no poder inventaram leis restritivas que fecham as portas da presidência a filhos de estrangeiros e a descendentes de imigrantes. O nacionalista zambiano Kenneth Kaunda está sendo questionado, no seu próprio país, como filho de malawianos. Convenientemente "descobriram" que o homem que conduziu a Zâmbia à independência e governou por mais de 25 anos era, afinal, filho de malawianos e durante todo esse tempo tinha governado 'ilegalmente". Preso por alegadas intenções golpistas, o nosso Kenneth Kaunda (que dá nome a uma das mais nobres avenidas de Maputo) será interdito de fazer política e assim, o regime vigente, se verá livre de um opositor. 4. Sejamos claros: Obama é negro nos Estados Unidos. Em África ele é mulato. Se Obama fosse africano, veria a sua raça atirada contra o seu próprio rosto. Não que a cor da pele fosse importante para os povos que esperam ver nos seus líderes competência e trabalho sério. Mas as elites predadoras fariam campanha contra alguém que designariam por um "não autêntico africano". O mesmo irmão negro que hoje é saudado como novo Presidente americano seria vilipendiado em casa como sendo representante dos "outros", dos de outra raça, de outra bandeira (ou de nenhuma bandeira?). 5. Se fosse africano, o nosso "irmão" teria que dar muita explicação aos moralistas de serviço quando pensasse em incluir no discurso de agradecimento o apoio que recebeu dos homossexuais. Pecado mortal para os advogados da chamada "pureza africana". Para estes moralistas – tantas vezes no poder, tantas vezes com poder - a homossexualidade é um inaceitável vício mortal que é exterior a África e aos africanos. 6. Se ganhasse as eleições, Obama teria provavelmente que sentar-se à mesa de negociações e partilhar o poder com o derrotado, num processo negocial degradante que mostra que, em certos países africanos, o perdedor pode negociar aquilo que parece sagrado - a vontade do povo expressa nos votos. Nesta altura, estaria Barack Obama sentado numa mesa com um qualquer Bush em infinitas rondas negociais com mediadores africanos que nos ensinam que nos devemos contentar com as migalhas dos processos eleitorais que não correm a favor dos ditadores. Inconclusivas conclusões Fique claro: existem excepções neste quadro generalista. Sabemos todos de que excepções estamos falando e nós mesmos moçambicanos, fomos capazes de construir uma dessas condições à parte. Fique igualmente claro: todos estes entraves a um Obama africano não seriam impostos pelo povo, mas pelos donos do poder, por elites que fazem da governação fonte de enriquecimento sem escrúpulos. A verdade é que Obama não é africano. A verdade é que os africanos - as pessoas simples e os trabalhadores anónimos - festejaram com toda a alma a vitória americana de Obama. Mas não creio que os ditadores e corruptos de África tenham o direito de se fazerem convidados para esta festa. Porque a alegria que milhões de africanos experimentaram no dia 5 de Novembro nascia de eles investirem em Obama exactamente o oposto daquilo que conheciam da sua experiência com os seus próprios dirigentes. Por muito que nos custe admitir, apenas uma minoria de estados africanos conhecem ou conheceram dirigentes preocupados com o bem público. No mesmo dia em que Obama confirmava a condição de vencedor, os noticiários internacionais abarrotavam de notícias terríveis sobre África. No mesmo dia da vitória da maioria norte-americana, África continuava sendo derrotada por guerras, má gestão, ambição desmesurada de políticos gananciosos. Depois de terem morto a democracia, esses políticos estão matando a própria política. Resta a guerra, em alguns casos. Outros, a desistência e o cinismo. Só há um modo verdadeiro de celebrar Obama nos países africanos: é lutar para que mais bandeiras de esperança possam nascer aqui, no nosso continente. É lutar para que Obamas africanos possam também vencer. E nós, africanos de todas as etnias e raças, vencermos com esses Obamas e celebrarmos em nossa casa aquilo que agora festejamos em casa alheia. Jornal "SAVANA" – 14 de Novembro de 2008